Maça

CARTA

Oi,

Deve estar estranhando receber noticias minhas, faz tanto tempo néh? Estive olhando aqui umas fotografias enquanto limpava uma gaveta, você estava muito bonita. Eu até lembrei o cheiro de maça madura e doce que tinha o seu cabelo aquele dia, lembra? Você usava um vestido com rosas na estampa, o cabelo solto... ainda usa o cabelo assim? Você ficava muito linda! Eu devo ter te dito isso umas “n” vezes... eu sei que disse. Lembrei que aquele dia você não queria sair de casa, estava zangada, não sei por que, você ficava com uma carinha tão meiga quando ficava assim, se fazia de durona... mas só ficava mais adorável! Eu bem lembro! Então só escrevi para dizer que eu lembrei... que eu lembro de você... que queria o cheiro do seu cabelo aqui outra vez. Se puder mande mesmo o nome e a marca do xampu que você usava, eu queria muito você aqui, mas guardaria o seu cheiro num frasco se você não pudesse vir.

Um beijo.

“RESPOSTA”

Oi,

“Na essência do que se perdeu, um perfume guarda em sigilo o que poderia ter sido e não foi... Mas não cola um coração partido pela saudade e pelo abandono. Você pode ter uma lembrança vaga de momentos coloridos registrados em fotografias, para que quando sua memória se desvencilhasse do pensamento em mim elas te lembrassem que eu fui em algum momento um presente vivo em sua vida, mas já não o sou. Guarde o perfume das maças maduras... doces ou não elas apodrecem quando não degustadas. Mas uma maça perdida é uma maça perdida, mesmo que você a guarde na geladeira ou numa gaveta qualquer pensando em deixá-la para bem depois você a perderá, por que tudo que é vivo é também incompleto e necessita de cuidados. Lamento dizer-lhe que a marca que produzia o xampu já não o fabrica mais e de certo modo depois de muito procurar encontrei um xampu mais doce, não foi fácil, mas valeu a pena, mesmo quando demoro a lavar o cheiro de doçura, limpeza e honestidade estão ali nos meus fios... Cumprindo com lealdade as promessas do rotulo. Eu não poderei ir ao seu encontro, pois uma vez, quando descobri o caminho de saída de sua gaveta eu me perdi em outro mundo e já não quero voltar mais."

Abraços.

DIETA

- Então no fim das contas isso tudo apenas quer dizer que você ainda o espera?

- Sim, acho que mesmo que eu me decidisse a não esperar eu esperaria, algo na gente sempre espera.

- Eu não entendo. Não sei como ele pode ter sido tão absorvido por você ao ponto de que mesmo diante de tudo e em meio a toda essa ausência você ainda esta ai parada, olhando o horizonte e pensando: Se ao menos ele ligasse... Eu já não sei mais olhar pra você e te ver nessas esperas...

- O problema é que quando a gente se entrega a gente come a pessoa, pedaço por pedaço e ela fica ali dentro da gente alimentando as vontades e quando o tempo passa a fome chega devassadora e vai aumentando, o corpo implora e implora por mais e quando você não morde, não devora de novo o outro dói muito... Tem horas que a fome até passa, se cansa, se esquece, mas ela volta, algo na gente faz ela voltar sempre.

-Parece loucura pra mim. Você devia saber, você sabe que há outros alimentos, a vida é tão colorida, por que não muda ? Não come direito... procura ajuda eu sei que você consegue sair dessa. Olha, as vezes a gente quer por que quer aquilo que não nos faz bem, mas se você tentar verá que há tantas coisas realmente boas lá fora. Tenta!

- Eu sei, e uma coisa dentro da gente sabe que faz mal, mas essa mesma coisa insiste que é só isso que a gente quer...sempre! Não é fácil aproveitar os coloridos lá fora quando tudo que você sente é esse desespero de querer comer de novo e mais um pouco...! Faz muitas segundas que tento um novo regime, quem sabe? Mas a gente sabe que a vontade de assaltar a geladeira não passa e nunca passa... e vai ficando, sempre!

Diferenças não feitas

Percebo em minhas angústias uma necessidade vital que você soubesse do meu penar, da minha saudade, das minhas lágrimas. Mas hoje acordei com uma frieza no coração, dessas friezas que faz com que você se questione em tudo sabe. De qualquer modo eu acho que não faria diferença para você saber. Talvez nunca tenha feito e eu tenho sido só essa coisa forçada que você suportou por um tempo, porque em algum momento talvez tenha acreditado que valeria o esforço. Eu posso parecer radical, mas veja: De que adiantou te ligar no meio da noite chorando? Você me deu meia dúzias de palavras doces e outras muitas inteiras de noites solitárias... Eu disse a você e que diferença fez? Que diferença faz? Ainda estou aqui, perdida e sozinha!

Dores

As vezes não dói tanto quanto doía, as vezes parece que toda a dor se acumula, a saudade revoltada, um querer tão forte que eu largava tudo, deixava a casa, a vida, a caixa de correio para trás para te encontrar em algum lugar se existisse tal lugar, se você estivesse lá, se você quisesse estar lá. Ai às vezes dói de uma forma tão triste, que mesmo caminhando ao seu encontro eu paro, colho uma folha em uma arvore qualquer e faço por conta de despedaçá-la, imaginando que sou eu o que sobra largada no chão... 

Café amargo

Você se vê sem passos a dar, olha os cantos e respira devagar, pensando calmamente na solidão... A dor no peito latejando, fria no meio e quente nas bordas, mas já esta ali a tanto tempo que é comum agora. Você olha os espaços que faltam preencher, as regras, as continuações, tudo parece importar tão pouco. O relógio, o tempo marcado... Tantas recordações para beber misturado ao café amargo da manhã e o sol que parece não sair mais, as noites estão fundas e são tão inclinadas que recitando canções antigas as velas se apagam. Você percebe que podia ter chorado mais, as lágrimas ainda querem sair, mas mantém os olhos secos pela confusão. O coração em fracassos miúdos espalhados em cada pedaço que fora quebrado, mas tudo bem. Tudo bem!

Não importa o quanto durou... É definitivo agora!

Kelly Martins

Que seja essa a última

Tenho tentado dormir e não acordar, tenho prometido a mim mesma, que se for da vontade de Deus (e por favor que seja) não haverá outro nascer do sol para mim, mas se houver mais um que por piedade seja o ultimo. Parei de escrever, parei de ler, parei de olhar a vida como quem acredita que em meio aos dias comuns e normais haverá aquela que mudará tudo, parei de esperar pelo milagre redentor. Dos vazios, da solidão, do medo, até minhas lágrimas vem com dificuldade. O telefone sempre toca com a ligação errada e o perfume que trago nas mãos me fazem rezar com o rosto mergulhado no travesseiro: que seja, meu senhor Deus, a ultima tentativa. Que o veneno que bebi tenha sido dessa vez a dose certa, que o corte que atravessa meu pulso sangre o bastante, que eu simplesmente morra de fome ou que apenas durma e não acorde mais. Que seja o meu último suplicar pelo fim, que não haja nada amanhã, que não haja sol nenhum.

Já não suporto mais fazer a maquiagem, rir.. Dizer: Estou bem. Mentir! Não quero esperanças, não preciso de esperas. Cansei de abraços errados, de carinhos de quem não quero amor. Quero devolver o milagre da vida e dormir, apenas adormecer sem sonhos e não precisar despertar para nada, para ninguém. Que seja hoje a última vez. 

Cálculos

Tentei morrer, na verdade ainda não desisti da ideia, ainda estou tentando... uma pequena morte por vez, calculada, um corte mais fundo no pulso, um veneno mais forte com uma dose maior, fome e muito sono.

O silêncio tem atravessado meus dias, as lágrimas doem ao força-las a sair e todo o conforto que sinto é esse penar de ver o tempo passar... esperar o tempo acabar.

Mentir Sorrisos

   Nem a vontade de fingir alguma alegria, ou a competência de mentir sorrisos ficou. Nada, a indiferença por tudo é tão clara. Vozes me cansam, são tantas perguntas... Tantos " estou bem " , "esta tudo bem" claramente falsos. Todo esforço é inútil, as perguntas vazam por cima da minha expressiva depressão e isso cansa, pois não tenho vontade de falar sobre riscos, sobre sobras de amor... Ficar entre os móveis vendo o tempo passar, esperando o tempo acabar foi a unica sombra que mesmo doendo ainda é por algum motivo tolerável.