Poço de Amor (CARTA)



Recebi sua carta e sim foi um choque, eu te conheço a tanto tempo menina e você sempre foi tão forte, uma mistura de menina polida e mimada, mas decidida e indecifrável com uma força de atender seus próprios caprichos e veja a menina frágil e tristinha que você me descreveu... Isso me deixou angustiado, estou dando um jeito de ir te ver e te sacudir umas 30 vezes se for preciso pra ver se aquele juízo que você sempre teve, que sempre foi um bom exemplo para todos volta para o lugar.
Onde já se viu você, sempre talhada em perfeita porcelana beber desse jeito, ao ponto de... ? Não vou repetir o que você me descreveu, é decepcionante que você tenha se arrastado para tão fundo nesse poço de amor. E sim, eu disse "se arrastado" menina, não vou fazer voltas para dizer que a culpa foi sua. Pois acredite foi mesmo. Então você não sabia que não devia deixar sua felicidade inteira a cargo da existência de outra pessoa? Você devia saber, menina, viu isso tantas vezes, tantas histórias e mesmo assim você doou seu coração inteiro? Não vou te fazer de pobre menina iludida... Conheço você a anos menina, sei que sabia dos riscos,  que sair de uma aposta dessas sem pelo menos uma parte do corpo quebrada, seja a cara ou o coração, é impossível!
E isso de tentar se matar de fome ? Definitivamente preciso te ver... antes, daquela outra vez eu tinha entendido quando você quase morreu de tão magrinha, havia uma dor realmente enorme e tanta pressão impossível de não compreender, mas agora... Olhe eu não estou fazendo descaso, sei que você esta muito machucada e que deve estar te doendo demais, mas menina, cresce ! Sai ai dessa vala, dessa fossa... A vida é essa coisa cheia de pontas afiadas que machuca por dentro e por fora, mas levar a vida assim não vai trazer  nem ele nem você de volta...

Estou chegando ai na semana que vem, vou levando uma corda... se eu não puder te resgatar com ela desse poço de amor, pulo dentro e te dou uma surra.

Assinado: Sr. X
 

Com o tempo passa ?

Com o tempo passa? 


Passa. Passam as esperas, os eclipses da lua nas janelas, passam os medos, os cortes de vidro quebrado entre os dedos. Passa. 
Passa. Ilusões perdidas, vendidas, trocadas por um sonho que passa o inverno para as somas do abandono e passa. O tempo passa e recobre o verão com sombras nascentes sempre risonhas entre perenes serpentes que mordem, envenenam e somem. Passa a vida. Passam-se as alegrias... e um dia num semestre de retorno do sol o tempo continua a passar, queimando e derretendo o que se prendeu com raízes fortes, rezando para nunca acabar.


Mas passa, não é? E passa pra que ? 
 

A sua dor é sua



O problema da maioria das pessoas que sabem que você sofre por um amor é não compreender que não é passando um dia ou uma semana ou mesmo um mês ou talvez vários anos que essa dor vai passar. E elas te olham e te julgam por sua tristeza e não compreende como, apesar do tempo ser despido pelo seu eterno passar você continua lá, de alguma forma sofrendo por um amor que não deu certo, seja qual for a razão. 
O problema realmente é que como é você quem esta sofrendo, só você pode saber medir, se é que se há medidas para esse lodo escuro que se acumula nas ríspidas batidas de um coração machucado, e diante de tanta fragilidade mesmo que você tente por em palavras as dimensões, todas as larguras, alturas e medidas que sua dor latejante possa conter, quem sofre é você e só você compreende. Só quem sofre sabe o tipo de vazio que fica, o incomodo, a ânsia, essa coisa pesada que parece sufocar por dentro, por, fora e por todos os lados que se tente respirar. 
Então, não sabendo como dizer que não é o tempo que cura, porque amor não é ferida que se almeje uma redenção, você aprende a sorrir e repetir que tudo bem, esta bem, sempre bem... Você aprende a mentir, porque não importa que todos passem por alguma decepção parecida na vida, a sua dor só você sabe sentir, só você sabe compreender, e cansa tentar explicar uma coisa cuja a explicação não trás nenhum amenização, só cansaço.


 

Ex Menina



Um a um os seus impulsos foram sedendo lugar a uma imagem fria de si mesma. Um semblante amargurado e pensativo. Um ar de quem com apenas 22 anos carregava a experiência decepcionante dos 46 de quando as amostras e aparições do destino provaram de forma eficiente que a vida é feita de jogos marcados.
A ex menina, agora mulher se tornou descrente das ilusões dos seus sonhos, formulados havia tão pouco tempo junto aos ursinhos de pelúcia que insistia ainda ter na cama. A ex menina, não tinha mais o ar inocente, nem a voz mansa, trazia apenas essa coisa inevitável que chamam de aceitação pela vida ser o que é.
 

Correntes

Essas correntes ferindo meus pulsos que te deixei colocar pela fé de que elas não me machucariam jamais ou pela esperança de que você valeria cada gota de sangue perdida. São as mesmas correntes que me mantem sempre nessa sala vazia de passos, dos mesmos passos que ecoaram o som da sua chegada embora súbita de muitas formas esperada, como uma tempestade faminta que anceia encontrar no caminho um sopro de vida que possa sugar. Suas correntes enferrujam e me devoram a dignidade e a fé, tomam meu corpo, minha sanidade e a sala vazia cada vez mais fria, mais úmida e suja com tanta poeira deixada para trás, da mesma poeira que seu corpo trazia e que eu aceitava com alegria porque tinha fé que ela não me sujaria jamais ou porque tinha a esperança de que valeria suportar cada espirro, cada canto mofado se você ficasse. Então você se foi e eu não saberei se a fé ou a esperança seriam atendidas com algum suplicio de amor.