O Encontro


Os seus olhos escuros mirados em dois pontos negros num espelho estranho, vivo e real! Aqueles pontos escuros devolviam em força a intensidade do olhar, como se aquela cor tão morta pudesse queimar.

Nunca antes vira algo tão frustrante e ao mesmo tempo indagador...aquele olhar que antes julgava a mais pequena pedra da mais sutil alma, percebia naqueles pontos imersos no vidro espelhado toda a viuvez da coleta de cada pedra, cada sombra observada, cada alma abandonada por suas erradas qualidades.

Aquele olhar estava tão pesado. Carregado com todos aqueles fardos, tomados por motivos de indevida colocação em seus portadores que se achava não apenas escuro, mas incomumente fundos, como se o tempo os tivessem expandido para comportar tantas amarguras.

Mirar aqueles olhos faziam-na perceber que a tempos não enxergava a si própria, tinha dado todo o seu tempo a tomar consciência dos defeitos alheios que is roubara para si. E ali estam eles marcado sua expressão no espelho frágil que mal mostrava sua superfície. Era apenas superficial o que via e ainda assim estava tão ruim que tudo se podia esperar era que fosse um pesadelo.

Por um segundo acreditou que fosse mesmo apenas um sonho ruim, por isso sufocou no fundo do peito um grito. Sentiu-se inchar. Antes do primeiro piscar seu foco desviou para uma das mãos. Ela parecia ter vontade própria e tocou o espelho no lugar onde se refletia o lago negro, tão fria a sensação ao tocar, tão errada a reação de seu corpo, que nem um músculo moveu, como se estivesse habituado a não repassar expressões.

Voltou o foco para seu próprio rosto. Uma boca ressecada, não havia gosto ali, nem vestígios de gosto algum. Um nariz um tanto quanto torto, qual a última vez que usara? Não sabia. Servia ainda para respirar? O ar não parecia fluir. E de novo os olhos... Havia tanto e nada ali era dela, nada ali era ela, como espelhos quem não refletem. Laminas de vidro espelhado ao avesso que não reflete, mas seleciona o sombrio para mandar-lhe para dentro.

Quanto de outros existia ali? Quem? Para que? Uma corrente de ar inflou-lhe o peito e saiu rasgando por sua garganta. Um uivo assustador. Nem havia reparado no tom de sua voz e agora ela estava ali com tanta energia que podia fazer-lhe dar conta das suas orelhas vibrando tremendo em resposta à vibração do ar.

Gritar era bom. Sentiu algo quente, uma sensação que ardia em seus olhos. Vazava dali lama preta, espessa e quente. Doía-lhe os músculos das pernas. Cedeu. Ajoelhada na frente do espelho viu vazar de si o podre que uma vida não vivida acumulara. Gota a gota, até restar um reservatório escuro, mas uma escuridão cristalina absurda. Podia ver agora que ela ainda não era ninguém. Uma folha em branco pronta para ser reescrita.
 


...e depois de longos minutos ouvindo os meus murmúrios

ele vira-se

e diz:

-E daí?

Desde entaun, meu mundo pareceu-me muiito mais estranho,
porém menos vago
menos frio
menos tardio...

E todo o resto fez sentido.

E eu sabia, não era mais quem fui, eu era uma nova Eu!

Kelly Martins
 

O que deve ir


Meu rosto está tão quente, fervendo por dentro, com as lágrimas que se aquecem enfurecidas por não permitir-me chorar! Hoje não quero, não vou deixar que se derramem em minha face!
Cansei-me outra vez, mas dessa vez canso-me de expressar o que há em mim! Não importa ao mundo o que eu sou agora, pois já não quero sê-lo! Sinto que sufoco algo aqui dentro do peito e eu preciso tanto tirar isso daqui, conceder tudo do que eu não quero mais ao mundo!
Não sei bem como dizer a mim mesma que as coisas que eu menos gosto nas pessoas são por vezes as coisas que eu mais tenho em mim. As minhas peculiares rebeldes e insanas.
Então chega.
Percebi que a maneira de desencontrar, a maneira mais segura de não cometer os mesmos erros que eu detesto é não tentar mais! Não estou desistindo, estou abandonando tudo!
Abandonando o que foi, o que é e o que seria se eu continuasse nesse mesmo caminho de intolerâncias.
Desconcertarei a minha vida de modo que o mundo em mim saia, se liberte, nada em mim merece tão pouco para ficar! Que se vão todas as cores, todas as dores, privilégios e ardores de quem não soube seus os erros apenas concertar. Não me contenta viver uma vida que se machuca quando não se quer, por pura fraqueza e sanidade!
Que se percam de mim os perfumes antigos, as notas de toda e qualquer melodia guardada, que se vá o passado e suas estratégicas influências, tomem um caminho seja ele qual for, eu buscarei sempre a direção contrária.
Que se esqueça de mim os presentes artigos, as escritas ritmadas com o presente dos meus devaneios, o meu acordar em meio ao entardecer, tudo precisa ir embora, as leituras frias das alegrias roubadas e todas as rosas cultivadas.
Nada mais quero para mim!
Quero ser alguém que não tenta, não busca, nada procura e que a vida não quer! Que por total abandono não existem magoas, amarguras, erros e infelicidade, pois nada toma pra si o que não se deixa existir, nem mesmo a infelicidade.
Deixo vazar o que há em mim!
 

Ainda hoje quero uma única oportunidade...
Quero que me deixe falar baixinho
O que eu ontem à noite senti ao deitar...
O que o meus sonhos velou...
O que o dia me fez perceber traduzido
Em cada música cantada,
Em cada cor percebida e
Em cada vida exalada...
Quero de ti a oportunidade
Que anseio para dizer esta única e
Já tantas vezes repetida frase:
Eu te amo ...
Que seja simples, não importa...
Mas se me garantes essa
Oportunidade te asseguro
Nada mais é que uma frase verdadeira!